domingo, 13 de novembro de 2011

(Metamorfose)


”Oi. Eu só liguei pra dizer que tem feito muito frio ultimamente. Tenho que sair de bota todos os dias, e o meu velho cachecol não faz nada além de embaraçar o meu cabelo e me enforcar. Acho que a cidade fica mais bonita quando o tempo está nublado; as pessoas parecem voltar para si mesmas, e geralmente pensam no alguém especial que deixaram para trás no último Verão. Pensam no conforto de suas ca
sas, em um café quente, talvez em um abraço. (…) Quando atravesso a rua todos os dias, vejo expressões sérias estampadas em diversos rostos estranhos, sinto o cheiro de perfumes doces e logo pontos coloridos no meio de tanta gente vestida de preto e cáqui chamam a minha atenção: crianças de bochechas rosadas que seguram firme a mão de seus pais. Elas provavelmente não entendem o porquê de tudo estar tão quieto e tão parado, mas um dia irão. Suspiros. Passo quase a tarde inteira na biblioteca, riscando títulos com o indicador e me perdendo meio à tantas prateleiras. Sinto que somente os livros podem preencher o vazio do meu peito, uma vez que jurei não me apaixonar mais por pessoas, e sim por coisas. Tenho desligado a mente e mergulhado em palavras nos últimos meses, mas quando cheguei em casa hoje, peguei o telefone e liguei pra você.Eu não queria que atendesse, por isso esperei até o horário que você sai pra caminhar para deixar esta mensagem nem um pouco curta; não teria coragem de dizer tudo isso se ouvisse a sua voz. (…) Eu amo o frio, só não gosto quando as calçadas sem vida me deixam com saudade dos teus olhos. Poderia culpar o café pela minha insônia, mas a verdade é que eu me agarro às memórias, fazendo replays constantes do ano passado na minha cabeça. Sei que o erro foi meu de ter ido embora sem me despedir, mas eu não liguei pra me desculpar, ao menos dizer que preciso de você. Liguei pra dizer que lembro de você todas as vezes que a Lua ilumina o meu quarto, liguei pra dizer que estou viciada em solidão, liguei pra deixar a minha voz preencher a sua sala vazia. E eu liguei porque não quero que você esqueça de mim. Talvez essa parede que nos separa não seja tão espessa assim,talvez eu só esteja mostrando à você o quão fraca eu realmente sou por precisar de alguém que se importe comigo. Você costumava se importar demais. Silêncio. Estou cansada de macarrão instantâneo, estou cansada de desabafar com o Bóris (meu gato gordo e velho), cansada de perder noites de sono e cansada do passado que me esmaga. Então só aparece, só promete que não vai me deixar ir embora de novo, só diz pra mim que as coisas não são tão complicadas assim. Silêncio. Eu quero você aqui comigo.”